
Vários sites publicaram a teoria de Chris Goodfellow no Google Plus e a chamaram de “a mais plausível” até agora, inclusive a Wired e o Gismodo Brasil através de tradução.
Eu não acho tão plausível. Eis minhas considerações sobre o texto (em azul) traduzido do do Gismodo.
- Segundo Goodfellow, a perda dos transponders e das comunicações aconteceu por conta de um incêndio provocado por uma falha elétrica no avião. […] Ele também acredita que o incêndio hipotético tenha sido enorme e que tenha acontecido por conta do superaquecimento de um dos pneus do trem de pouso dianteiro, que teria explodido durante a decolagem e queimado lentamente durante o voo, como já aconteceu num voo na Nigéria.
Vou enumerar as falhas na premissa da teoria dele:
- Não há precedente histórico de pneus do trem do nariz pegando fogo, por qualquer que seja o motivo, nem mesmo por “under inflation”.
- Aliás, isto é quase tão impossível de acontecer que não há nem detectores de sobreaquecimento no alojamento do trem do nariz, apenas no alojamento do trem principal.
- Admitindo-se a possibilidade de que o incêndio fosse possível, por que o pneu iria queimar 40 minutos depois da decolagem?
- Admitindo-se que foi uma queima lenta, após 40 minutos, como é que a fumaça iria atingir o cockpit? O grande erro desta suposição é que o alojamento do trem de pouso é uma área não pressurizada, não há NENHUMA possibilidade de entrar fumaça no cockpit vindo do trem de pouso do nariz. NADA de possibilidade. ZERO.
- Se o pneu tivesse “explodido” na decolagem, a empresa aérea teria sido comunicada imediatamente.
- O que aconteceu no voo da Nigéria foi no trem de pouso principal, onde está distribuído o maior esforço (carga) do avião, e além do mais existe o arrasto provocado pelo conjunto de freio, que causa aquecimento. Após este acidente da Nigéria, os aviões passaram a contar com detectores de sobreaquecimento no alojamento do trem principal. O trem do nariz não sofre deste “problema”.
- Em caso de incêndio, a primeira ação dos comandantes é ir desligando a maior parte dos controles do avião para, em seguida, restaurar cada circuito, até que se descubra onde está o problema. Se os circuitos são desligados, é como se o avião estivesse voando em silêncio, sem se comunicar. A comunicação acerca do ocorrido só aconteceria depois que o problema fosse localizado. […] O incêndio teria produzido uma fumaça tóxica que impediria a tripulação de ficar na sala de comando mesmo com máscaras de oxigênio.
- Em todos os procedimentos de emergência, a primeira coisa que os tripulantes fariam, antes mesmo de virar o avião, seria vestir a mascara de oxigênio (leva 1,5 segundos pra fazer isso) e colocar o regulador em 100%. No texto original, o autor diz que em caso de fumaça colocar a máscara seria um “no-no” (algo errado de se fazer). Eu sugeriria então que ele entrasse em contato com a Boeing e a Airbus, pois para ambas a primeira coisa a se fazer em caso de fumaça é colocar a máscara e depois combater o fogo.
- Se o suposto incêndio foi causado por fonte elétrica, ele não seria tão rápido e devastador, a menos que houvesse também um vazamento de oxigênio. Além do mais, se o incêndio foi de fonte elétrica, por que incapacitou sistemas importantes de fontes essenciais e manteve pings de SATCOM, que usam o barramento AC do avião? Estudando-se a arquitetura dos sistemas elétricos do 777 é possível perceber que diversos sistemas usam DC (corrente contínua) e diversos outros usam AC (corrente alternada). O transponder usa DC, o SATCOM usa AC. Mas o piloto automático usa DC também, então como perderíamos transponder e comunicação, mas não os canais de piloto automático? Na hierarquia do sistema elétrico, a comunicação de rádio do comandante é infinitamente mais importante do que os canais de piloto automático.
- Com a premissa de que o cockpit ia estar cheio de fumaça, seria quase impossível ver os números na janela de heading do MCP (proa no painel do piloto automático) para girar o avião para a proa correta em direção ao aeroporto mencionado pelo autor.
- Há diversos recursos para eliminar fumaça a bordo do 777, inclusive procedimentos diferentes em caso de fumaça antes da asa (cabine dianteira), ou depois da asa (cabine traseira). O 777 possui duas válvulas outflow para que se possa evacuar fumaça, além de uma válvula específica no compartimento eletrônico.
- Goodfellow acredita que depois disso o avião prosseguiu em piloto automático até ficar sem combustível ou até que a cabine de comando fosse destruída pelo fogo e então o avião afundou no oceano Índico.
- Para a teoria funcionar, precisamos achar uma fonte de fogo que seja tóxica e rápida o suficiente para incapacitar os dois pilotos, já que do pneu não poderia ser. Os materiais presentes no cockpit e na cabine de comando não queimam rápido, são projetados com materiais para retardar o fogo. O próprio 777 da Asiana só entrou em combustão, mesmo após um acidente daquela magnitude, quando todos os passageiros já haviam desembarcado.
- Se foi fogo elétrico, como se extinguiu sozinho, mesmo após incapacitar as pessoas? Afinal já foi oficialmente divulgado que o avião voou por até 6 horas após o incidente de perda de comunicação.
- Se os barramentos tivessem sido desligados para investigar o fogo como Goodfellow supõe, não teríamos “pings”, pois SATCOM e ACARS precisam de barramento AC para funcionar.
- Como também há relatos de que a altitude do avião flutuou muito, Goodfellow crê que o piloto pode tê-lo elevado até 45.000 pés num último esforço para extinguir o fogo usando como trunfo os baixos níveis de oxigênio.
- Embora a teoria como um todo pudesse fazer sentindo se fosse encontrada uma fonte válida e extremamente específica de fumaça, esta afirmação de que o piloto poderia ter subido a 45 mil pés para extinguir o fogo com níveis de oxigênio mais baixos beira o absurdo.
- Por que você iria aumentar o nível de voo a ponto de não controlar o avião se tinha intenção de pousar o mais rápido possível?
- Trata-se apenas de mais uma teoria entre tantas outras, mas essa ao menos parece ser mais sensata e plausível que as possibilidades de terrorismo ou sequestro. No entanto, já foram feitas buscas no local onde Goodfellow sugere que o avião deve ser procurado e nada foi encontrado. Mas não sabemos quão profundas e detalhadas foram as buscas na região.
- Neste momento, sem uma prova cabal (o encontro do avião), esta teoria não é mais sensata do que nenhuma outra.
Vocês não têm idéia do quanto perguntam a minha teoria a respeito do que possa ter acontecido, mas quanto mais eu estudo os sistemas, mais improvável se torna cada linha de raciocínio que sigo. Ao mesmo tempo, para que a hipótese de atitude deliberada da tripulação possa fazer sentido, um piloto teria que ter assassinado o outro e o que quer que tivesse intenção de fazer, não obteve êxito e o avião caiu. Ou obteve e teria que ter tido apoio de uma organização sem precedentes.
Este é um daqueles casos inacreditáveis como um livro de Agatha Christie, em que pequenas pistas são divulgadas aos poucos e induzem a pensar em uma direção que ao final será exatamente o oposto. Isto é, se tiver um final.