Em dois vídeos da série Aerolito no canal do Youtube falamos sobre um negócio que todo mundo que lê sobre aviação sabe, mas sabe só meia verdade: a tendência que os aviões monomotores têm de guinar (“derrapar”) para a esquerda nas subidas, quando a potência é alta, ângulo de ataque elevado e velocidade ainda baixa.
Nos vídeos abaixo explico a conjunção de fatores que causa a “guinada”, mas o efeito também ocorre em bimotores, só que em menor escala. Vamos dar uma olhada nisso e na questão do motor crítico, pois tem relação direta com o efeito P-Torque, e de quebra responder à pergunta do leitor João Gabriel, se em aviões bimotores as hélices giram em sentidos opostos em cada motor para anular o “efeito torque”.
[su_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=rzqoqwmzRk8″ width=”640″ height=”360″]Aerolito 5[/su_youtube]
[su_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=ihK0Pef7dWY” width=”640″ height=”360″]Aerolito 6[/su_youtube]
Como vimos nos vídeos, a tendência de guinada é uma conjunção de fatores, que também acontecerá individualmente em cada motor de um avião bimotor a hélice. Será que compensaria então fazer os motores girarem ao contrário para que a conjunção de um lado se tronasse oposta ao do outro lado e assim o efeito fosse anulado?
A resposta é sim e não. Sim, o efeito P-torque seria anulado, enquanto os dois motores estivessem funcionando. E não, porque fazer motores girarem ao contrário aumenta muito o custo operacional, já que as peças passarão a ser diferentes, ou no motor ou na caixa de engrenagens. Após análises de vários fatores se chega a uma decisão final de projeto, e a grande maioria dos bimotores NÃO possuem hélices girando ao contrário, mas sim no mesmo sentido.
E não há uma regra geral, cada projeto possui suas características: Por exemplo, o Airbus A400M possui hélices gigantescas (octapás) e o sentido de rotação é oposto em cada asa (1 e 2 giram opostos, assim como 3 e 4). O Lockheed Electra também possuía hélices gigantescas, mas suas quatro hélices giravam para o mesmo sentido, porém seus motores giravam no sentido oposto ao da hélice (a inversão era feita na caixa de engrenagens).
Uma vantagem de se ter hélices girando opostas é a eliminação do que se chama “motor crítico”, que é uma anomalia causada pelo P-Factor que já vimos nos vídeos. O motor crítico é aquele que se falhar durante o voo vai causar os maiores efeitos de guinada, em virtude de sua posição na asa. Essa imagem a entender.

Para entender é preciso também se lembrar da grandeza vetorial momento de força, ou..RÁ…torque!
_Pô, mas você não estava desmistificando o torque?
Sim, mas em aviões monomotores, porque em bimotores o assunto é um pouco diferente, já que temos uma força agindo beeeeeem fora do centro de aplicação. Vejam a imagem e vamos ao motor crítico.
Percebam que em relação ao que já aprendemos sobre P-Factor e Precessão Giroscópica, a força é maior no lado direito do disco da hélice em motores que giram no sentido horário, logo, se o motor número 2 parar de funcionar, a resultante da força gerada no motor 1 causará uma tendência pequena para direita, já que o momento (braço) é pequeno em relação ao centro da fuselagem. O mesmo não ocorre se o motor 1 tiver uma pane, pois a resultante será muito maior no motor direito, causando uma grande tendência de nariz para a esquerda e uma grande deflexão de leme para a direita para compensar.
Como o leme de direção precisa de determinada velocidade aerodinâmica para ser efetivo, o motor #1 passa a ser o que se chama de “motor crítico”, pois ao se tornar inoperante o piloto deve se atentar muito mais aos parâmetros de operação ditados pelo fabricante. Não seguir à risca a performance e as velocidades mínimas de controle publicadas podem causar acidentes como esse ao se reduzir a potência para o pouso:
Bem, esses foram meus 2 centavos para apenas tocar a superfície de um tema muito, muito complexo e com diferentes literaturas para tratar do mesmo efeito. O conhecimento que cada fabricante tem sobre o movimento de guinada em seus projetos é proprietário, mas fisicamente a conjunção de todos os fatores apresentados afetam a estabilidade da aeronave no eixo vertical e não apenas a reação ao sentido de rotação do motor como muita gente equivocadamente pensa.
Usei como fontes de estudo informações do FAA, o manual de voo da Jeppseen (Aerodynamics of Maneuvering Flight), este compêndio sobre aviação, capítulo 8 e estes cálculos de um engenheiro que gosta de fazer contas. Apesar disto, sempre sigam seus manuais de voo, o fabricante sempre sabe mais =)
E os motores a reação? Também sofrem com essa conjunção de fatores?
Não. Porque a principal diferença entre um motor a reação e um turboélice ou motor convencional é que o FAN não produz tração, ele apenas acelera o ar para trás em grande velocidade. Além disso, para cada estágio de rotação de um motor a jato [que causaria uma reação em sentido oposto], há um estágio de paletas estatoras que invertem a direção do ar, “balanceando” o conjunto. Há outros fatores envolvidos, mas estão muito além do escopo do blog.