O texto “A verdade sobre aeronaves “remendadas” com esparadrapo. Isso é gambiarra?” foi publicado originalmente em 2 de dezembro de 2011, por Lito Sousa. Texto editado por Lucas Conrado.

De tempos em tempos, volta a circular na internet a foto de um funcionário passando “silver tape” no motor de um avião. O pior é que, pela cor da carenagem, muita gente diz que isso aconteceu na Gol. Gente, calma! Isso aconteceu na Europa, em um voo da Easyjet. Inclusive, esse é um motor de Airbus A320, e a Gol usa o Boeing 737. Calma.
É natural que um passageiro, que não está acostumado a voar, pode se assustar ao ver essa cena. E, como a gente falou nesse texto, jornalistas bem intencionados acabam errando ao falar de um assunto técnico de aviação. O desespero dos sites por cliques e a falta de tempo de apurar, acabam espalhando o medo de voar. É para isso que a gente está aqui: para explicar que não teve nada de anormal nesses casos. E que isso não é a silver tape que a gente usa em casa.
Silver tape no avião da WebJet?
Lá em 2011, uma história parecida aconteceu no Brasil. No dia 3 de junho, um passageiro voava pela extinta WebJet e tirou as fotos abaixo, que viralizaram na imprensa e nas redes sociais:

É claro que, para um leigo, essas imagens assustam. Tanto que o passageiro disse a seguinte frase, publicada na matéria de um grande jornal:
“O que me intriga é que, como disse um amigo meu, o Detran não aprova carros com o pisca-alerta quebrado. Então é natural a gente se preocupar ao ver um buraco desse tamanho“
É compreensível a preocupação de um passageiro ao ver isso. Mas vamos explicar por que não houve nada de anormal aí.
Antes de tudo, você tem medo de voar?
Então, se liga nessa dica! Nos dias 31 de maio, 1º e 2 e junho, nós vamos fazer o Intensivão Medo de Voar! Em cada aulão, vamos abordar um tema que assusta muita gente quando vai voar de avião. Por exemplo, no dia 31, o aulão vai ser sobre pousos e decolagens. Em seguida, no dia 1º de junho, a gente vai falar sobre os ruídos dos aviões. Então, no dia 2 de junho, a gente vai abordar a tão temida turbulência!
Clique aqui e se inscreva no intensivão!
E então? Qual é a verdade sobre “reparo com esparadrapo”?
Então, não houve gambiarra aí. Um técnico nunca faria um remendo com esparadrapo num avião. Ainda mais em um Boeing 737 que leva 130 passageiros a mais de 850 km/h. Além disso, antes dos aviões decolarem, mecânicos e pilotos fazem uma vistoria no avião. Pilotos e comissários são pessoas comuns como eu e você. Pessoas com famílias, amigos, sonhos e medo de morrer. Eu te garanto que os tripulantes não voariam em um avião remendado e que pudesse cair no meio do voo.
E a ANAC? A ANAC aprova este tipo de coisa?
Vamos por partes então.
O que diz a Boeing?
Primeiramente, vamos ver o que a própria Boeing diz sobre isso. Printei um trecho do Dispatch Deviation Guide – CDL (Guia de Desvio de Despacho ou Lista de Desvio de Configuração) que fala sobre aquele “buraco” que foi tampado com “esparadrapo”:
O documento ao lado é usado como referência pelos operadores do modelo. É possível ver que com uma porta faltando, a penalidade de performance é INSIGNIFICANTE (Negligible) e que com até 4 portas faltando há um impacto na performance de decolagem e subida em rota em peso.
A fabricante da aeronave, durante a fase de testes de voo, verifica todas as condições que a aeronave poderá ser submetida durante sua vida útil. Uma dessas condições é voar com portas de acesso faltando. Por isso há um manual que guia o operador [e a manutenção] para saber quais e quantas portas podem estar faltando em determinado lugar da aeronave.
Uma coisa que pouca gente sabe é que o fabricante publica os limites técnicos, no entanto os operadores sempre RESTRINGEM ainda mais este limite. Não só pelo fator de segurança, mas por ser economicamente viável. Ou seja, apesar de ser possível voar com até 4 portas faltando no strut, nenhum operador faria isto por causa da diminuição de peso de decolagem e subida assim como aumento no consumo de combustível, fazendo com que a operação se torne economicamente inviável.
O que diz o operador?
Abaixo colo um texto de um documento de um operador de 737 que apesar de baseado no documento acima, RESTRINGE o defeito que permite que apenas 1 (UMA) porta esteja faltando:
DEFECT: NO MORE THAN ONE NACELLE STRUT ACCESS DOOR OR NACELLE STRUT BLOWOUT DOOR PER STRUT MISSING.
FLIGHT PLANNING RESTRICTIONS:
A. REDUCE TAKEOFF RUNWAY LIMIT AND PERFORMANCE LIMIT WEIGHTS AND LANDING PERFORMANCE LIMIT WEIGHT BY 100 POUNDS.
B. REDUCE ENROUTE LIMITED TAKEOFF WEIGHT BY 100 POUNDS
C. INCREASE FUEL BURNOUT BY 0.25 PERCENT
D. REDUCE ONE ENGINE ALTITUDE CAPABILITY BY 40 FEET.
Tudo bem até aqui?
Voltando à WebJet
O manual da Boeing diz que o avião pode voar mesmo sem aquela tampa de acesso. No entanto, o que causaria mais “desconforto” a um passageiro leigo? Ver um buraco em cima do motor ou ver um reparo provisório com FITA METÁLICA?
Aliás, fita metálica? Não, aquilo não é uma fita metálica. Nem mesmo o silver tape!
Eis uma foto da fita em questão que foi fotografada no avião da Webjet. Prazer, Hi-Speed Tape!

Uma fita do tipo “Hi-Speed” ao contrário de duct tape ou esparadrapo, é condutora de calor, possui alto poder de reflexão, resiste a degradação por raios UV, resiste a umidade e solventes e é resistente ao fogo além de suportar velocidades de mais de 1000 KM/h.
Só tem um problema: não pode ser usada para fazer reparos em buracos que tenham mais de 5 centímetros de diâmetro.
Então a WebJet não poderia ter usado o tape naquela porta faltando, ali tem uns 30 centímetros certo?
ERRADO!! A WebJet não fez um reparo na porta que estava faltando, ela apenas cobriu o local com a fita para diminuir a “má impressão”.
O uso de hi speed tape é prática comum na aviação. É um método de reparo provisório para evitar entrada de umidade em painéis de fibra de carbono bem como pequenos danos em áreas não estruturais. Esse método é aprovado e certificado pelos fabricantes. Então, da próxima vez que você embarcar em uma aeronave e vir um “remendo” com fita metálica, não se preocupe. Aliás, aquilo não é remendo nenhum, é apenas uma proteção temporária para manter a aeronave voando até a hora que ela puder parar para ser consertada definitivamente.
Mas porque não conserta logo??
Ora, você ia querer que seu voo cancelasse ou atrasasse seus compromissos por causa de uma portinha que nem faz falta?
E a ANAC deixa?
Claro! A ANAC não legisla sobre que tipo de reparo é feito nas aeronaves, ela só legisla para ter a certeza que o reparo está sendo feito de acordo com que o fabricante determina.
E olhem, apesar daquilo parecer de longe com uma simples fita adesiva, acredite em mim, você não ia querer ter um pedaço dessa fita grudada no cabelo ou nos pelos dos braços!
Como falei lá no começo, esses reparos com fitas não causam “pânico” somente aqui no Brasil. Já teve jornal australiano associando as passagens baratas da Ryanair com uso de fitas para fazer reparos. Aliás, só procurar no Google por “hi speed tape” para ver várias notícias sensacionalistas com esse tema.
Fique bem informado e viaje tranquilo, leia o Aviões e Músicas 😀
Aliás, com tudo isto dito acima, o leitor Denilcarp relembrou bem: como passageiros, ninguém tem obrigação de saber tudo sobre avião, portanto se algo parecer estranho, informe sempre ao tripulante mais próximo, é a maneira mais segura de se comportar em voo!
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