“Lucas, quero ser comissário. Mas você acha que vale a pena trabalhar em aeroporto antes?”.
Oi, prazer. Para quem não me conhece, me chamo Lucas. Antes de escrever aqui no Aviões e Músicas, fui agente de aeroporto e comissário de voo. Quando as pessoas sabem disso, sempre me fazem a pergunta que abriu a postagem. Bem, a resposta curta é: Se você quer ser um comissário mais completo, entendendo os detalhes da companhia aérea e com mais jogo de cintura, vale. A resposta longa é: depende de muitos fatores!
Por que trabalhar em aeroporto antes de ir pro voo?
Primeiro, aeroporto é um lugar apaixonante. Especialmente, se você gosta de desafios. Na primeira companhia que trabalhei, nossos Airbus A320 levavam 162 passageiros. Um avião lotado levava 162 pessoas com criação, expectativa, personalidade e cultura diferentes. Você tinha que fazer essas 162 pessoas entrarem numa lata que ia voar a 12 km do chão sem atrasar o voo! E aí que começava o desafio. Tinha passageiro que chegava com bagagens e documentos perfeitos. Ao mesmo tempo, tinha aqueles clientes com excesso de bagagem, artigo proibido, documento irregular… No Galeão, a gente atendia nove voos no meu turno. Além disso, quatro deles decolavam num intervalo de dez minutos. Imagina o desafio que era resolver esses problemas de… 162×4… 648 passageiros? Isso num tempo mínimo.
Por isso, eu falo, trabalhar em aeroporto é uma experiência incrível. Além disso, te traz um grande crescimento profissional e pessoal. Depois que passei por aeroporto, aprendi a lidar muito melhor com pressão, além de ter mais paciência com coisas e pessoas. Até mesmo quando vou ligar para o banco ou para a provedora de internet, falo com muito mais calma. Estive do outro lado, sei o que os atendentes de telemarketing passam todo o dia. No entanto, até em questões mais práticas, passar por aeroporto ajuda os futuros comissários.
Primeiramente, você conhece melhor a companhia na qual você trabalha. Você entende melhor os processos da companhia, bem como regras, costumes e até mesmo os modelos das aeronaves nas quais você vai voar. Por exemplo, na época de comissário, recebi um elogio no SAC da firma porque expliquei para um casal de passageiros como eles pediam lanche vegetariano. Como eu soube disso? Dois anos de aeroporto.
WCHS, VLML, PETC, BSKT…
A vantagem de um comissário de voo vir de aeroporto já começa no curso preparatório. Quando você entra numa companhia aérea, você faz um curso de três meses, onde você aprende tudo da profissão. Imagina o volume de estudos de um comissário que está começando. Sobrevivência na selva, procedimentos da companhia, localização dos extintores de incêndio em um Boeing 737…
Ah, além disso tudo, ainda precisam decorar siglas de serviços especiais que passageiros pedem: PETC, pet na cabine; VLML, refeição vegetariana; BSKT, berço para criança de colo… Além disso, tem os terrores dos novatos: WCHC (cadeirante sem qualquer mobilidade); WCHR (cadeirante que anda com restrições); WCHS (passageiro que precisa de cadeiras em escadas. Sim, isso existe). Se você vem de aeroporto, você lida com essas siglas todos os dias. É uma prova a menos para estudar naquele tijolo que é o manual do comissário de voo!
No entanto, trabalhar em aeroporto não é mil maravilhas. Existem também as desvantagens de passar pelo aeroporto antes do voo.
Inclusive, veja o vídeo abaixo explicando por que aeroporto fecha com neblina. Não é culpa nossa!
Uma avaliação de seis meses, no mínimo
Nas companhias que voam hoje no Brasil, um processo seletivo de comissário de voo costuma levar de três a quatro dias. Na companhia onde voei (e trabalhei em aeroporto), era só um dia. Portanto, quando você vai passar direto para o voo, você é avaliado só nesses dias. Se você se prepara bem, já conquista o avaliador e está lá dentro!
No entanto, as companhias possuem um período de carência entre seis meses e um ano para promoção interna. Por exemplo, quando comecei a trabalhar em aeroporto, a companhia na qual trabalhei exigia que você passasse um ano na função antes de tentar a seleção interna. Então, no fim das contas, eu passei pelo menos um ano sendo avaliado. Bem, sempre gostei de fazer um trabalho bem feito, seguir as regras e procedimentos nunca foi problema para mim. No entanto, se eu estivesse num dia ruim e cometesse um erro – todos estão sujeitos a erros – eu poderia tomar uma advertência, que poderia atrapalhar meu processo. Se não me engano, naquela companhia, a advertência te proibia de fazer seleção interna durante 90 dias. E, com certeza, se eu estivesse disputando a vaga final com outro candidato com histórico limpo, ele ganharia.
Portas abertas e portas fechadas
Outra questão que você precisa avaliar se quiser trabalhar em aeroporto antes de se tornar comissário é o que aconteceu comigo. Em 2016, minha antiga companhia contratou muitos comissários. Eu fiz seleção pra comissário em abril daquele ano e reprovei. Em maio, fiz seleção para agente de aeroporto e comecei a trabalhar lá em julho. Portanto, só em julho de 2017, eu poderia tentar ser comissário por seleção interna. Nesse período, a companhia ainda fez outras seleções. Aí chegou julho de 2017 e… parou.
No fim das contas, passei quase dois anos em aeroporto até ganhar as asas. Então, esse é outro fator que você precisa avaliar. Você tem pressa de passar para o voo? Ou você quer fazer o caminho longo, tipo arte marcial na qual você aprende todo um fundamento que pode te ajudar lá na frente.
Deixando bem claro, conheço comissários e pilotos excelentes que nunca trabalharam em aeroporto. Que têm um grande conhecimento e desenvoltura. No entanto, na minha experiência profissional, aprendi muito nos check-in, pátios e embarques do Galeão e de Confins. E cresci bastante. Inclusive, acredito que me tornei um comissário e uma pessoa melhor por conta do tempo que passei em aeroporto.
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