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Música da semana: Scissor Sisters — “Invisible Light”

A música desta semana não é triste, cerebral demais, solene, nem depressiva, mas excepcionalmente resolvi postá-la na terça só para vocês não acharem que era brincadeira minha de 1º de abril. E para vocês não dizerem maldosamente que posto só músicas que tocaram quando fui convidado para o Bar Mitzvah de Matusalém, a música desta semana é Invisible Light, do Scissor Sisters, um grupo que assim que fiquei conhecendo, virei fã na hora. Fiquei conhecendo alguns anos atrás, quando um amigo meu comentou que tinha saído um novo disco deles. “De quem?” Ele: “ah, aquele grupo que estourou com uma regravação dance de Comfortably Numb, do Pink Floyd.” Eu: “O quê??? Comfortably Numb em versão dance??? Isso não pode dar certo nunca!”

Eu não podia mesmo acreditar. Comfortably Numb é uma das melhores faixas de The Wall (um álbum que, apesar de alguns ótimos momentos como este, na média acho supervalorizado e muito, muito abaixo do nível do melhor Pink Floyd). Mas é lenta, melancólica, pungente e com uma letra e uma interpretação que fazem você quase sentir junto a dor emocional profunda do narrador da música. E para mim e para muita gente mais, tinha ficado indelevelmente associada à voz de David Gilmour no refrão. Então, uma versão dance dela para mim era como se Lady Gaga tivesse regravado Wish You Were Here (o que, felizmente, não aconteceu) — uma profanação impossível!

Scissor Sisters
Scissor Sisters: da esquerda para a direita, Randy Real, Del Marquis, Jake Shears, Ana Matronic e Babydaddy.

Pois quando ouvi a versão do Scissor Sisters, tive que calar a boca, o que não foi difícil, porque ela já estava aberta e muda. E não é que não só deu certo, como ficou genial? O videoclipe que a acompanhava, com suas diáfanas imagens marinhas onde nem os tubarões estavam aí para nada, dava bem o tom daquela que não era bem uma versão, e sim uma reinvenção da música. Era como se o Pink de The Wall tivesse não só ficado “comodamente insensível” ao mundo, mas criado seu próprio mundo feliz, à base de muito deboche, algo que é a marca registrada do Scissor Sisters e apela à minha irreverente alma de aquariano, algo de que sou um caso perdido. O deboche já começa no próprio nome do grupo, que se vocês pensam que quer dizer “Irmãs Tesoura”, estão redondamente enganados: é uma gíria bastante pornográfica, que obviamente não vou explicar aqui — quem quiser, pesquise (ou imagine…). Aliás, os nomes provisórios do grupo eram ainda mais cabeludos…

Ao procurar conhecer melhor o grupo, as coisas foram só melhorando. Descobri que eles eram muito criativos, irrequietos, inteligentes, interessantes e principalmente muito versáteis: transitavam de faixas puxadas ao blues, como Laura, às baladas como a belíssima Mary (dedicada à melhor amiga do vocalista Jake Shears), a roquinhos deliciosos como Take Your Mama e a faixas mais pulsantes e pesadas (em todos os sentidos), como Filthy/Gorgeous. O “novo álbum” ao qual meu amigo se referia era Ta-Dah!, que trazia a deliciosa I Don’t Feel Like Dancin’ (cujo título é imediata e cabalmente desmentido assim que começa a tocar), feita em parceria com Elton John, a hiperpulsante Kiss You Off, a vagamente retrô Ooh, com seu clima meio disco (lembrei da Ritchie Family na hora) e a chiquérrima The Other Side, que parece até algo do Roxy Music. Tudo com muita competência. O único grupo mais camaleônico que eles que conheço é o Queen — e ser segundo lugar para eles em qualquer quesito é uma tremenda honra!

Scissor Sisters – Invisible light

O Scissor Sisters traça suas origens a 1999, em Lexington, no estado americano do Kentucky, onde dois músicos iniciantes se conheceram, fizeram amizade e acabaram decidindo se mudar juntos para tentar a sorte em Nova York. Eram Jason Sellards, mais tarde conhecido como Jake Shears (um trocadilho, porque em inglês, shears são um tipo grande de tesoura, usada para tosquiar ovelhas), originalmente do Arizona, e o texano Scott Hoffman, que já tinha o apelido de Babydaddy. Em Nova York, os dois começaram a tocar nos bares da cidade, com músicas compostas por Babydaddy e as letras por Jake. Numa viagem à Califórnia, foram à Disneylândia e num dos brinquedos puxaram papo com uma garota também de Nova York e também artista. Depois de mais duas voltas juntos nos brinquedos do parque, já eram inseparáveis e foi assim que Ana Lynch, que viria a ser conhecida como Ana Matronic, entrou para o grupo. Ana fazia um show semanal muito pirado num cabaré novaiorquino e chamou os dois para participarem do show. Por sua vez, ela se encaixou tão bem na banda que não saiu mais. Logo vieram Del Marquis para tocar guitarra (embora Babydaddy seja um multi-instrumentista capaz de tirar música de praticamente qualquer coisa que lhe caia às mãos) e o baterista Paddy Boom, que não ficou muito tempo. Mas ainda foi com ele que eles gravaram Comfortably Numb, que os levaria à fama. O baterista Randy Real entrou a partir do terceiro álbum, substituindo Boom.

Apesar de o grupo ser americano e de seu público em seu país natal não ser nada desprezível, o Scissor Sisters tem muito mais público na Europa, e em especial na Inglaterra, onde seu primeiro álbum foi o mais vendido do ano em 2004, além de um sucesso de crítica e merecedor de elogios de gente tão variada quanto Elton John (que viria a colaborar com eles como compositor no segundo disco), Bono (que os chamou de “melhor banda pop do mundo”) e David Gilmour (que adorou a versão deles de Comfortably Numb). Eles são ousados demais para a mentalidade conservadora prevalente em seu cada vez mais puritano país, rompem muitas barreiras, tocam em muitos tabus, provocam demais e muitas vezes sofreram boicotes de emissoras e lojas de discos. A Wal-Mart americana, por exemplo, até hoje não vende nenhum CD ou DVD deles.

Capa do primeiro CD do Scissor Sisters
Capa do primeiro CD do Scissor Sisters, já com parental advisory para venda nos EUA

Babydaddy mesmo disse numa entrevista anos atrás, quando eles começavam a fazer sucesso: “Os EUA não estão preparados para o que nós fazemos. (…) O que nós fazemos é simplesmente diferente do que toca no rádio na América.” O fato de Jake, Babydaddy e Del serem abertamente gays (Jake chegou a trabalhar como go-go boy numa boate gay) também escandaliza muita gente que depois vai, digamos, escutar West Side Story, uma parceria de Leonard Bernstein (bissexual) com Stephen Sondheim (gay), e finge que não sabe disso. Já acham um horror o falsete com que Jake cantava na maioria das músicas dos primeiros discos (hoje ele tende a cantar mais com a voz natural) e a exuberância dele no palco e nos clipes (Jake e, em menor grau, Ana fazem todo o espetáculo, enquanto o tímido Babydaddy, apesar de ser o principal criador musical do grupo, prefere ficar num cantinho sem ser muito notado e também fala pouco nas entrevistas, e Del e Randy também são mais low profile). Mas para quem conhece o que Ney Matogrosso já fazia 40 anos atrás nos Secos & Molhados, o que Jake faz é totalmente fichinha.

De toda forma, quanto mais eles eram boicotados, mais atrevidos ficavam, e até hoje mantêm sua integridade artística, sem fazerem concessões nem ficarem mais bem-comportados só para ganharem mais público e venderem mais. Tampouco se pode acusá-los de fazerem o oposto e serem apelativos com o mesmo objetivo: fica muito claro que eles são espontâneos, esse é mesmo o estilo deles e eles simplesmente expressam a maneira como pessoas comuns da vida real pensam e falam (isso fica muito evidente em Let’s Have a Kiki, por exemplo). E o que as pessoas comuns falam quando estão à vontade inclui conteúdo sexual (simplesmente porque faz parte da vida) e uma moral na verdade muito mais relaxada do que as aparências exigem – especialmente nos EUA, um país onde o esporte nacional não é o bêisebol e sim o julgamento dos outros, e a imagem pública das pessoas vale muito.

Então, essa ausência de hipocrisia ou bom-mocismo na obra deles também me fascina e dou o maior valor a isso. O terceiro álbum, Night Work, tem na capa a foto de um bumbum (embora vestido), e ainda por cima é uma foto da autoria de Robert Mapplethorpe (1946-1989), completamente maldito em muitos círculos americanos por causa da sua controvertida série de fotos eróticas (geralmente homoeróticas), o que não impede que ele seja considerado um dos maiores fotógrafos de todos os tempos, especialmente para retratos (o que ele fez de Laurie Anderson para a capa de Strange Angels é uma das mais belas fotos de gente que já vi). Lógico, mais uma vez, muitas lojas nos EUA recusaram-se a vender o CD, mas numa era em que essa é a menor das fontes de renda de um músico ou banda, eles não estavam nem aí. E nem deveriam estar, mesmo: como dizia o velho Ibrahim Sued, “os cães ladram e a caravana passa”.

Capas de Mapplethorpe
Duas capas de discos com fotos de Robert Mapplethorpe (clique para ampliar). À esquerda, Night Work, do Scissor Sisters. Sim, é provocante, mas não a ponto de ser impublicável no AeM ou banida por uma loja de discos fora dos EUA (ou do Irã…). Verdade que Mapplethorpe fez, sim, muitas fotos impublicáveis, mas também foi um retratista de primeira: à direita, a belíssima foto de Laurie Anderson que ele fez pouco antes de morrer, para a capa do CD Strange Angels. Só um gênio teria a ideia de clicá-la de olhos fechados e sair um resultado tão espetacular – e sem Photoshop, que nem existia na época.

O Scissor Sisters é um grupo tão versátil, variado e competente, e tem tanta coisa boa que foi até difícil escolher qual faixa postar, mas acabei ficando com Invisible Light, o carro-chefe do terceiro disco, Night Work. Este é um disco bem menos dançante e mais cerebral que os dois primeiros, embora ainda mais eletrônico, mostrando que a versatilidade do Scissor Sisters ainda era capaz de reservar muitas surpresas.

Postei a chamada “versão limpa” do clipe, porque a versão original não é lá muito apropriada para menores (aviso que, devido à violência e algumas tomadas assustadoras, mesmo a “versão limpa” também não é muito aconselhável para crianças), mas a versão sem censura está disponível no mesmo canal, para quem quiser ver. De toda forma, o clipe merece ser visto: é uma sucessão frenética e extremamente bem editada de imagens de pesadelo, abusando de arquétipos junguianos e terrores primitivos. (Há ainda uma versão ao vivo com Ian McKellen recitando a parte falada — ficou incrível!)

Ano passado, logo após lançar seu quarto CD, Magic Hour, o Scissor Sisters anunciou uma “pausa por tempo indeterminado”. Torço para que não seja o fim definitivo do grupo. Até agora, deixaram a gente com gosto de quero mais. Então, Jake, Babydaddy, Ana, Del, Randy, come to the light! Into the light! The invisible light!

 

[su_youtube url=”http://www.youtube.com/watch?v=QFsRzuQY5zA”]

 

Link para o vídeo (para quem tiver problemas com o vídeo embutido)

 

Para quem quiser ouvir mais

A partir desta semana, vou passar a dar alguns links adicionais para quem quiser ouvir mais da obra do artista ou de músicas relacionadas, segundo minha recomendação pessoal. Claro que é o meu gosto e a minha opinião, e se alguém quiser acrescentar mais coisas e mais links nos comentários, esteja à vontade. Sempre haverá, porém, um vídeo ou link de áudio em destaque especial como a música da semana, no formato de até agora.

As dicas adicionais de hoje são:

  • a versão do Scissor Sisters para Comfortably Numb
  • para comparação, a versão original do Pink Floyd, no trecho correspondente do filme The Wall
  • a saborosa Take Your Mama, um roquinho delicioso de escutar
  • a irresistível I Don’t Feel Like Dancin’ (atenção, pessoal ligado em tecnologia, para o histórico TRS-80 Modelo III no qual Babydaddy aparece digitando num momento do clipe!)
  • a superpulsante – e muito indecente para os padrões americanos – Filthy/Gorgeous (o link não é para o clipe original, que é bastante erótico, pesado e requer login para confirmação de idade; quem quiser, procure)
  • um Scissor Sisters mais suave na lindíssima balada Mary
  • o mais recente sucesso, a escrachada e divertida Let’s Have a Kiki, de Magic Hour (aviso que gruda na cabeça com Super Bonder e não sai mais!)

 

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