O texto “Erros humanos e o aprendizado na aviação” foi publicado originalmente em 24 de março de 2015 por Lito Sousa. Texto editado por Lucas Conrado.

Nós, humanos, somos o elo fraco na corrente da segurança em aviação. Esta é a má notícia.
A boa é que cada vez mais a ciência e a tecnologia trabalham para que erros diminuam. Se não dá para eliminá-los, elas trabalham para que seus efeitos não causem um acidente grave ou fatal.
Eu extraí essa história do relatório preliminar de um incidente. E ela é incrível, já que mostra como as capacidades humanas se deterioram com a complacência. Isto é, o ato de achar que tudo sempre vai dar certo, com base na experiência.
Decolagem
Em 9 de fevereiro de 2014, um Airbus A330 MRTT (versão militar usada para reabastecimento e transporte de tropas) faria um voo da base aérea de Brize Norton, no Reino Unido, para Camp Bastion, no Afeganistão.
O avião levava nove tripulantes e 189 passageiros. Depois de resolverem um problema de transponder, que atrasou o voo em 20 minutos, o A330 decolou ao meio-dia e prosseguiu sem problemas. No máximo, houve uma turbulência moderada, que fez os pilotos ligarem o aviso de atar cintos.
Perda de altitude
Às 15h49, a aeronave já estava em voo de cruzeiro, a 33 mil pés (uns 11 mil metros) e o piloto automático 1 engatado. Então, o copiloto deixou seu assento e foi até a galley dianteira. Nesse meio tempo, o comandante sentiu uma sensação de falta de peso, por causa do mergulho do A330. Ele tentou retomar o controle do avião puxando seu side-stick enquanto desconectava o piloto automático. No entanto, essas ações não resolveram o problema.
O co-piloto disse que, logo antes da perda de altitude, sentiu algo semelhante a uma turbulência. Outros tripulantes também reportaram a mesma sensação, caracterizada como uma “sacudida”. O co-piloto então se sentiu sem peso e bateu no teto da galley, mas conseguiu se recuperar e voltar à cabine de comando.
A cena não estava nada boa. Vários alarmes soavam enquanto o avião sofria de “chacoalhadas” violentas. O co-piloto conseguiu chegar ao seu assento e puxou o side-stick. Ambos pilotos reportaram ter ouvido o alarme de “dual input” (quando dois tripulantes acionam o side-stick ao mesmo tempo). Quando a aeronave começou a se recuperar do mergulho, o co-piloto percebeu que estavam com excesso de velocidade e reduziu as manetes para marcha lenta, o que diminuiu a velocidade rapidamente.
O comandante retomou o controle, ajustou a potência e estabilizou a 31 mil pés. O avião havia perdido 4.400 pés em apenas 27 segundos. Registrando uma razão de descida máxima de aproximadamente 15 mil pés por minuto. A tripulação alternou para a base aérea de Incirlik ao sul da Turquia e pousou sem problemas.
Causa
O Flight Data Recorder (FDR) não gravou nenhuma indicação de falha de sistema que pudesse levar a aeronave a mergulhar. Além disso, nenhum outro Airbus A330 teve problema similar. Isso já levantou a suspeita de que erros humanos provocaram o mergulho. O FDR e o Cockpit Voice Recorder (CVR) mostraram que o side-stick do comandante se moveu 1m44s antes do evento. Nesse momento, induziu um comando de baixar o nariz 0.8 graus. No momento do evento, houve um comando de baixar o nariz totalmente. Os gravadores também mostraram que o assento do comandante se moveu precisamente 1m44s antes do evento bem como no momento do mergulho.
Os investigadores encontraram evidências que ligam o movimento do assento ao movimento do side-stick. Uma câmera digital foi encontrada em frente ao descansa-braço esquerdo do assento do comandante e atrás da base do side-stick na hora do evento.
Análise da câmera revelou (piada de tiozão) que havia sido usada 3 minutos antes do evento. Análise forense dos danos no corpo da câmera indicaram que ela sofreu compressão significante contra a base do side-stick. Essa compressão é consistente com a possibilidade dela ter ficado presa entre o descansa-braço e o side-stick. Então, entrevistas com os tripulantes ajudaram a corroborar esta evidência.
Investigadores recriaram o evento em simulações. Dessa forma, viram que objetos colocados entre o assento e o sidestick poderiam gerar o mesmo problema de mergulho que aconteceu no A330. Assim, emitiram um aviso de segurança para a RAF e Airbus, mostrando essa possibilidade.
Conclusão
Com o peso das evidências, o órgão investigador pôde afirmar com certeza que a causa do incidente foi fator humano. Apear disso, a investigação ainda continua. Ela quer encontrar outras evidências e fatores para tirar lições e aumentar a segurança do transporte aéreo.
Mas como o cara foi negligente de colocar a câmera ali?!
Oras, porque somos humanos. Neste incidente, a investigação apontou que a negligência e a complacência foram os fatores determinantes. Embora haja treinamentos constantes contra isso, são difíceis de combater. Então, fim da história? Como é difícil corrigir os erros humanos, a questão está resolvida? Não, pois a aviação trabalha com redes de segurança em seus projetos. Como a investigação apontou que um objeto externo poderia trazer um perigo à cabine, os fabricantes devem fazer uma mudança de projeto para eliminar esta possibilidade.
Você viu como a aviação é segura?
Me responda com sinceridade, se um objeto cai entre o pedal de freio e o solo, causando um acidente, você acha que os fabricantes vão mudar o desenho dos carros? Talvez depois de muitos acidentes!
Esta é a principal diferença na segurança da aviação. Basta uma ocorrência para que conceitos, procedimentos e até projetos se modifiquem.
Isso é uma prova de como a aviação é segura e você pode viajar sem medo. Inclusive, nos dias 31 de maio, 1º e 2 e junho, nós vamos fazer um Intensivão Sem Medo de Voar! Em cada aulão, vamos abordar um tema que assusta muita gente quando vai viajar de avião. Por exemplo, no dia 31, o aulão vai ser sobre pousos e decolagens. Em seguida, no dia 1º de junho, a gente vai falar sobre os ruídos dos aviões. Então, no dia 2 de junho, a gente vai abordar a tão temida turbulência!
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