Update 09/abr/14: Adicionado vídeo para explicar os eixos imaginários de uma aeronave.
Eu juro que não queria me aventurar a explicar como funciona um ADIRU (Sistema de Navegação e Dados de Ar) presente nos modernos aviões comerciais, mas como perguntaram, vou tentar explicar de maneira tão simples quanto expliquei o Fly-By-Wire – mas vai ser uma tarefa inglória.
Se você conseguir passar pela definição canadense sem abandonar o post, parabéns, é perseverante.
ADIRU
Quem melhor definiu o Sistema Inercial foi um autor canadense anônimo, mas acredite, é a essência engraçada do IRS:
“O avião sempre sabe onde está. E ele sabe disso porque ele sabe onde “não está”. Ao subtrair a posição onde ele “está” para onde ele “não está” (o que for maior), temos um resultado que se chama “desvio”. O IRS usa o desvio para gerar sinais de erro que instruem a aeronave a mover da posição que ela “está” para a posição que ela “não estava”. Ao chegar lá onde “não estava”, agora passa a “estar” lá. Consequentemente, a nova posição que “está” é agora a posição que “não estava”; portanto, logicamente a posição onde “estava” antes passa a ser a posição que “não está” mais. Quando a posição que “está” agora não é a posição que “estava” antes, o IRS adquiriu uma variação. A variação é a diferença entre onde a aeronave “está” e onde ela “não estava” antes. Se a variação for significante, uma correção deve ser aplicada pelo piloto automático. Contudo, esta correção requer que a aeronave saiba “onde estava” porque a variação modificou uma parte da informação que tinha, então tem que ter certeza de onde “não está”. Com um pouco de razão, a aeronave tem certeza de onde “não está” e sabe onde “estava” antes. Então subtrai onde “deveria estar” de onde “não está” (e tem que ser de onde não estava) e aí integra a diferença com o produto de onde “não deveria estar” e onde “estava”, obtendo então a diferença entre o desvio e a variação, que é uma variável chamada “erro””.
Todos babando? Ok, acho que posso fazer melhor que o canadense, mas não muito 😛
Esse diabo desse ADIRU (não vou entrar no mérito da parte AD, apenas do IRU) funciona usando o princípio de giroscópios. O princípio é o mesmo, mas para extrair os resultados do princípio usa-se uma tecnologia muito mais avançada do que você possa imaginar.
Os aviões possuem três eixos imaginários pelos quais se movimenta, vertical, horizontal e longitudinal. Nariz pra cima/baixo, asa pra cima/baixo, nariz para esquerda/direita.

Olhando a figura, conclui-se que precisamos ter alguma coisa que monitore o movimento nestes três eixos, por isso temos no mínimo três giros a laser em um IRU. Cada giro é alinhado com um eixo da aeronave.
Você disse Laser?
Sim, são giroscópios sem nenhuma parte móvel, apenas luz. Basicamente cada giro possui dois feixes de raio laser disparados em sentido contrário em um caminho triangular e fechado. Cada ponta do triângulo possui um espelho e em uma das pontas um leitor de frequência de luz. Como a velocidade da luz é constante, quando os feixes atingem o leitor (o feixe que foi pela esquerda e o que foi pela direita), as frequências de luz analisadas são exatamente iguais se o giro estiver em descanso. Quando houver um movimento em algum eixo (por exemplo, ao girar o nariz do avião), haverá uma diferença de frequência entre os dois feixes, porque “aparentemente” o feixe que se move no mesmo sentido que o nariz do avião virou percorrerá uma distância maior que o outro feixe em sentido contrário (concorda?). Esta minúscula diferença de frequência é calculada com sensores de foto-diodo que indicam a magnitude e a direção com que o giro foi tirado do seu descanso anterior.
Pessoas, estamos falando de diferenças de frequência na velocidade da luz em um espaço de uns 20 centímetros, dá para imaginar a precisão deste troço? Se não dá, agora vai ficar bem claro.
Eu falei que com o giro em repouso, a frequência de luz dos dois feixes seria a mesma certo? Mas acontece que o giro NUNCA está em repouso, afinal de contas o nosso planeta Terra gira (tem gente que não acredita nisso, alguns estão no governo). Se a Terra gira, vai haver uma diferença entre os feixes de pelo menos dois dos giros-laser concorda? Afinal um está alinhado horizontalmente e outro longitudinalmente (o vertical sente outra coisa). E para os que acreditam que a Terra gira, a velocidade linear no equador é bem maior que a velocidade próxima aos polos certo? Se ficou complicado entender isso, pense num disco de vinil girando, a velocidade linear na primeira música é bem maior que na última, no entanto o disco gira a uma velocidade angular constante.
Pois bem, a precisão do giro-laser é tanta que ele sente a velocidade de rotação da Terra, e como sabe que a velocidade varia conforme a latitude…bingo! Vai saber exatamente qual a distância que o avião se encontra da linha do Equador após ser alinhado [na verdade, durante o alinhamento ele sente a direção da força do vetor gravidade junto com o resultado dos acelerômetros que são proporcionais aos cosenos da direção do vetor gravidade da Terra, mas isso deixa pros físicos]. Esta distância é medida em graus.
Para terem idéia do tempo que um sistema inercial demora para se alinhar (saber exatamente onde está), se estiver perto da linha do equador demora cerca de 5 minutos. Aqui em São Paulo, 7 a 10 minutos e em latitudes muito altas, próximas ao polo, até 17 minutos.
O giro-laser de outro eixo, também baseado nas diferenças de velocidade, vai saber exatamente para onde o nariz do avião está apontando em relação ao polo norte real da Terra (o magnético não interessa por enquanto). Ah, como a força da gravidade é sempre perpendicular à superfície da Terra, teremos a atitude da aeronave (atitude é como ela está alinhada em relação ao solo, semelhante a um nível de bolha de pedreiro)
Clap Clap Clap. Perfeito! É só isso?
Não, claro que não. Nós só descobrimos nossa Latitude, para onde o nariz está apontando e como o avião está alinhado no espaço. Perceba que com 20 graus de Latitude podemos estar em algum lugar em Belo Horizonte ou em Mangoro no Madagascar, não tem como o inercial se localizar sem saber a Longitude.
Precisamos então descobrir a nossa Longitude, e essa quem fornece ao IRU é o próprio piloto ou mecânico, no momento do alinhamento, digitando-a no computador do FMC.
Ah Lito, então o cara pode inserir uma longitude errada e te colocar em Madagascar ao invés de Belo Horizonte, e aí eu li no Conspireichon Blog que a teoria do sumiço do Malaysia pode ter sido então o mesmo erro do comandante Garcez e [shut up!]
Se o piloto inserir uma longitude errada, o sistema IRU vai comparar com a última posição calculada (ele sempre sabe onde estava lembra?) e vai dar um erro: “piloto, você está fazendo alguma coisa errada, verifique seus números de longitude e tente de novo“. Além disso, há outras maneiras de atualizar a posição, já falo delas.
Até agora, tudo que eu falei é só para o IRU ser alinhado e saber onde está no planeta Terra, pois sabendo onde está saberemos onde não estamos (ainda).
Calculando o Movimento
Para que os cálculos integrais comecem a ser computados, é preciso que o avião se mexa certo? Quando algo se mexe é porque uma força foi executada no corpo e produziu-se uma aceleração, até que uma inércia aconteça. Então, além dos 3 giros-laser também faz parte de um sistema IRU 3 acelerômetros, um para cada eixo do avião.
O acelerômetro é algo parecido com isso:
Uma massa conhecida, presa por molas altamente sensíveis e uma escala para medir o deslocamento (isso é apenas um desenho de instrução, fisicamente é bem diferente, sendo usado até cristais hoje em dia). A esquerda temos o acelerômetro em repouso (ou em MRU – olha a Física aí de novo) e a direita o acelerômetro com uma aceleração no sentido horizontal para a frente. A medida de deslocamento da massa na escala é computada em “G’s” (força de gravidade).
Olha aí a mágica acontecendo. Se os giros sabem onde estão e agora um acelerômetro diz por exemplo que sofreu uma aceleração de 1G por X tempo, é possível então calcular primeiro a velocidade e depois a distância. Se os cálculos de giro e acelerômetros forem integrados constantemente, sempre saberemos onde estávamos, para onde fomos, com que velocidade, aceleração, sentido e direção. Fácil não?
Em outras palavras: Se podemos medir a aceleração, podemos integrar esta aceleração para obter a velocidade e integrar a velocidade para obter a posição e então, assumindo que a posição inicial estava correta, podemos calcular a posição atual em qualquer tempo “t”.
O sistema inercial fornece informação instantânea de posição e velocidade, é um sistema auto-suficiente (não depende de nenhum meio externo para funcionar), funciona em qualquer condição meteorológica, e é altamente preciso para medir a situação vertical e horizontal (atitude).
Putz. O sistema inercial é perfeito então!
Não, não é, mas é quase. Como a posição é atualizada baseada em cálculos matemáticos, cada pequeno erro vai sendo integrado ao próximo cálculo e ao final de uma hora de voo, pode-se ter um erro de até 1 milha na posição (aproximadamente 1852 metros por hora de voo). Isto poderia fazer com que ao final de um voo de 10 horas, você pousasse em Campinas ao invés de São Paulo – isto é exagerado apenas para entendimento, nos IRUs comerciais a margem de erro é bem menor.
Para resolver o problema de acúmulo de erro, o sistema inercial recebe atualização de posição por estações de radio navegação conhecidas como V.O.R., e quando voando sobre oceanos, recebe atualização de posição pelo GPS
Agora pegue todos esses cálculos do IRU e junte com o AD (Air Data), que conhece todas as informações de temperatura, pressão barométrica, velocidade do ar, compressibilidade, e você terá um sistema integrado que é o verdadeiro cérebro da navegação em um avião, de tal modo que permite que você decole de São Paulo e pouse em Frankfurt sem ver um centímetro à sua frente.
O ADIRU é muito confiável (praticamente não dá pane), redundante e caro (só a caixa onde ficam os giros custa por volta de 200 mil dólares, melhor não deixar cair!) e apenas um botão para ligar 🙂
Pergunta bônus para os que gostarem do Post coçarem a cabeça:
A velocidade linear da Terra 20 graus abaixo do equador vai ser praticamente a mesma 20 graus acima da linha do equador, então como o sistema Inercial sabe se está no Hemisfério Sul e não no Norte? Heim? Heim?
Rá! Uma dica: Entra teoria da relatividade, um observador em relação a algo. Dica dois: água descendo o ralo 🙂
Nota: Não use as informações contidas aqui no post para fazer seu trabalho de escola, elas estão simplificadas ao extremo, apenas para dar uma pequena ideia. Há muito, mas muito mais coisas por trás deste sistema do que a nossa vã filosofia possa imaginar.
Nota 2: É duro tentar simplificar coisas difíceis, ainda mais com Física envolvida. Se alguém ler algo errado, favor informar que será corrigido.