Texto “A quem interessa o medo” foi escrito por Lito Sousa e publicado originalmente em 8 de julho de 2015. Reeditado por Lucas Conrado
Antes de tudo: você conhece alguém que tem medo de voar?
Então, é a sua chance de ajudar essa pessoa! Nos dias 31 de maio, 1º e 2 e junho, nós vamos fazer o Intensivão Sem Medo de Voar! Em cada aulão, vamos abordar um tema que assusta muita gente quando vai voar de avião. Por exemplo, no dia 31, o aulão vai ser sobre pousos e decolagens. Em seguida, no dia 1º de junho, a gente vai falar sobre os ruídos dos aviões. Então, no dia 2 de junho, a gente vai abordar a tão temida turbulência!
Clique aqui e se inscreva no intensivão! Te garanto que você vai terminar o intensivão vacinado contra o sensacionalismo da imprensa.
Então, voltemos à programação normal
A gente ainda vai voltar a falar sobre isso, mas, infelizmente, a imprensa ainda é responsável por grande parte da ansiedade que os passageiros sentem no avião. O mais maluco é que muitos textos que espalham desinformação usam argumentos que invalidam o que acabou de ser falado. Quer um exemplo? Uma matéria da revista Time, lá de 2015, que reforça um mito replicado até hoje: “Voar no fundo do avião é mais seguro”.
Em resumo, a matéria fala de um suposto estudo que determina quais seriam os assentos de avião mais seguros para se estar em caso de acidente. Que estudo é esse? Baseado em quais dados? E realizado por qual instituição?
Trechos da Time, traduzido para português:
“Isso é baseado em um estudo de acidentes de avião nos últimos 35 anos. TIME se baseou na Base de Dados de Acidentes de Aviões da CSRTG do FAA, procurando por acidentes com fatalidades e sobreviventes. Achamos 17 com mapas de assentos que puderam ser analisados. O mais antigo que entrou no nosso critário foi em 1985. O mais recente, em 2000”.
O que me surpreende é que apenas 17 acidentes serviram como base para esse… estudo(?) O mais legal vem agora, quando a Time invalida seu próprio argumento:
“Claro, as chances de morrer num acidente aéreo têm menos a ver com onde você se senta do que com as circunstâncias que envolvem o acidente. É por essa razão que a FAA e outros especialistas em segurança aérea dizem que não há um assento mais seguro no avião“.
Este trecho informa que obviamente as chances em um acidente tem mais a ver com o tipo de acidente do que com o lugar em que você senta. Em outras palavras, a TIME derruba seu próprio “estudo” com classe.
A TIME finaliza assim:
“Uma coisa é certa: Voar é muito seguro, e tem sido cada vez mais nas últimas décadas, especialmente se comparado a outros meios de transporte. As chances de perder a vida em um acidente de carro é de 1 para 112. Como pedestre, as chances são de 1 em 700 e em uma moto, 1 em 900. Em um avião? 1 em 8.000”.
Quase uma redenção ao papo furado do assento seguro.
Na aviação, nós cultivamos a cultura justa. Quando acontece algo de errado, por mais que tenha sido causado por falha humana, estamos mais preocupados em entender O QUE aconteceu do que QUEM fez acontecer. A nossa intenção aqui não é apontar dedo para um jornalista ou outro e crucificar o cara. Inclusive, vamos falar sobre isso ainda nesta semana. O nosso foco é apontar o que está errado e como isso prejudica milhares de pessoas todos os dias.
Dito isto, o que me dói é o seguinte: Muita gente vai ler chamadas sensacionalistas em portais do mundo inteiro. Então, a pessoa vai ficar com medo de voar por causa de um suposto estudo que não tem valor científico. Além disso, é totalmente incorreto em argumento e metodologia! Sobretudo, não duvidem de um aumento nas vendas de assentos na fileira do meio na parte traseira, curiosamente, os mais desconfortáveis. Não admira tanta gente ter que sofrer todo dia para voar com medo por causa dessa banalização de informações.
A quem interessa o medo?
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