Um dos lemas do blog Aviões e Músicas é “Responsabilidade”, e como está escrito na página ““Sobre o blog”“, ninguém pode ser dono da verdade na aviação, dada a complexidade de sua ciência. Portanto, quando surgem dúvidas, a responsabilidade do AeM é buscar as respostas na fonte mais confiável que existe: os manuais de manutenção do fabricante.
No post do Boeing 777-300 da American, surgiu a seguinte dúvida de um leitor:
Lito, quando você falou do trem de pouso, você disse que a cauda é mais longa. Eu achava que a diferença de comprimento do 200 para o 300 estava na frente e isso continua bem claro para mim, basta contar as janelas :). Tem diferença atrás também?
Como eu fiquei em dúvida com a pergunta, apesar de ter falado no vídeo que a cauda era mais longa, precisaria acessar fontes de documentos das quais não tinha acesso no momento para confirmar a informação. Felizmente um amigo (muito obrigado apesar do anonimato) enviou as ATAs do manual do B777-300 que eu precisava para matar as dúvidas e montei no photoshop a áreas dimensionais para comparação.
Eis o resultado (Desenho é ©Boeing Company)

Alinhei as imagens mantendo como referência a linha do trem de pouso e a parte frontal da carenagem do bordo de ataque da asa. Como é possível ver, a fuselagem é alongada tanto à frente do trem de pouso quanto atrás, e a diferença total é de 10,2 metros a mais.
Esta enorme diferença de tamanho na traseira causa um problema durante a decolagem, já que o risco de encostar a cauda no chão aumenta consideravelmente. Para evitar isso, a Boeing elevou a altura do avião, aumentando a distância da barriga em relação ao solo e é visível que o -300 é muito mais alto que o -200.
Porém só o aumento da distância para o solo não resolveu o problema de distância de pista para decolagem, já que era necessário mais velocidade para um ângulo menor de decolagem.
Entraram em ação então as cabeças pensantes da engenharia e incorporaram um sistema chamado “Semi-Levered” ao trem de pouso principal. É possível ver o atuador “Semi-Levered” no vídeo deste post e também na foto abaixo.

E o que esse garoto ali faz?
Ele é um atuador controlado eletricamente que usa força hidráulica para aumentar o “comprimento” do trem principal durante a decolagem, aumentando o ângulo de ataque e consequentemente a performance de decolagem.
Heim?
Bem, ele “trava” o “truck” do trem em uma posição semi-elevada durante a decolagem, fazendo o avião ficar mais alto.
Heim?
Hummm…Ficou difícil de entender só com a descrição não é? Então vamos as fotos que valem mil palavras:
Fotos pertencem ao Airliners Net e o direito de reprodução a seus autores
Na primeira foto, é possível ver que o “truck” se mantém paralelo à pista mesmo com o avião em “rotation”, que é o caso do 777-200. Na segunda foto é possível ver o semi-levered em ação, percebam que o “truck” é travado em seu ponto de pivotamento, fazendo com que apenas as rodas traseiras toquem a pista durante o “rotation”, aumentando a distância do avião com a pista, deste modo o ângulo inicial de decolagem das duas aeronaves é praticamente o mesmo sem o risco de encostar a cauda no chão.
Sensacional a criatividade não?
Claro que não é tão simples como parece, já que o atuador só trava durante a decolagem, pois o pouso precisa ser macio.
E como o atuador vai saber se o avião está decolando ou pousando?
Aí entram os processadores e sensores da aeronave. Para o atuador travar, tem que haver as seguintes condições:
1-Os dois motores girando
2-Os flaps na posição de decolagem
3-Aeronave no solo (sensores de compressão de peso sentem a força exercida pela massa do avião)
4-Qualquer uma das manetes de potência acima de 40 graus.
Agora cliquem aqui e vejam o vídeo mais sensacional que já vi sobre trens de pouso, o 777 pousando em super câmera lenta.