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As manetes de potência e o 3054

A posição das manetes foi fator determinante para o acidente com o 3054. Mas o que aconteceu: (foto: Lucas Conrado)

No próximo domingo, o acidente com o voo 3054 completa 15 anos. Naquele dia, um Airbus A320 não conseguiu parar na pista do Aeroporto de Congonhas, então atravessou a Avenida Washington Luís e se chocou contra um posto de gasolina e o prédio da companhia aérea. Assim, morreram 199 pessoas, sendo 187 ocupantes do avião e 12 pessoas em solo. Na época, houve muito debate sobre a segurança e automação do Airbus A320.

Voltando 23 anos na história, para 1984. Apesar de ainda não conseguir bater de frente com Boeing e McDonnell Douglas, a Airbus se estabelecia no mercado de widebodies, com o A300 e A310. Então, em 1984, a companhia decidiu entrar no mercado curto e médio alcance. E anunciou ao mundo que iria fabricar o principal rival do Boeing 737, o Airbus A320.

Para conseguir bater de frente com o já estabelecido 737, a Airbus precisava de um diferencial para seu produto. Então apostou em um avião mais automatizado e confortável para pilotos e passageiros. Os passageiros iriam aproveitar uma cabine mais larga, com mais espaço para as poltronas. Já os pilotos teriam uma carga de trabalho diminuída graças à grande automação do A320. Enquanto os defensores da automação alegam que ela impede que os pilotos coloquem o avião em uma situação perigosa, os detratores dizem que essa grande automação já contribuiu acidentes, como o do voo 3054.

Em 1987, o Airbus A320 fez seus primeiros voos, colocando os europeus na briga pelo mercado de curto e médio alcance (Ken Fielding/Wikimedia Commons)

Nove anos antes…

Um fator determinante para o acidente do voo 3054 foi a posição das manetes de potência do avião na hora do pouso. Ao contrário de um carro, você não acelera o avião pisando em pedais, mas mudando a posição das manetes de potência, no console central da cabine. No caso do Airbus A320, as manetes podem ficar nas seguintes posições: Full Reverse, Idle Reverse, Idle, Curso Manual, Climb e Flex MCT, TOGA.

Usando a posição das manetes junto a outras informações, os computadores do A320 controlam não só a potência dos motores, mas o acionamento de spoilers ou dos reversores. Essa automação está aí como uma barreira de segurança para evitar, por exemplo, o acionamento dos reversores durante o voo. Porém, havia uma falha no sistema que havia causado um acidente bem parecido com o do 3054, nove anos antes.

Em 22 de março de 1998, um A320 pousava no Aeroporto de Bacolod, nas Filipinas. Porém, devido à posição errada das manetes, os computadores do avião não interpretaram que os pilotos queriam pousar. Dessa forma, o avião não acionou os spoilers nem os reversores, levando o A320 a varar a pista. Os 130 ocupantes do avião sobreviveram, mas três pessoas em solo morreram, quando o avião invadiu uma área residencial. O precedente existia.

Em 1998, um acidente semelhante ao do voo 3054 aconteceu nas Filipinas, matando três pessoas em terra (Cipher01/Wikimedia Commons)

Os fatores contribuintes

Assim como no caso das Filipinas, o fator determinante para o acidente do voo 3054 foi a posição errada das manetes na hora do pouso. Enquanto o motor esquerdo foi colocado em Idle, e depois em Reverse, o direito ficou na posição Climb. Dessa forma, o lado esquerdo do avião freava enquanto o direito continuou acelerando. Mas, o que causou isso?

Como a gente sempre diz, nunca um acidente acontece por um motivo. E no dia 17 de julho, diversos fatores contribuíram para o acidente. A começar, pelo próprio A320 acidentado, o PR-MBK. Naquele dia, o avião estava com os reversores do motor direito inoperantes. Isso, sozinho, não provocou o acidente, como muita gente diz até hoje, mas contribuiu de forma indireta. No mesmo dia, o MBK já havia pousado duas vezes em Congonhas, com pista seca e molhada. E não houve nenhum incidente. O que houve de diferente, então, no voo 3054?

Naquele dia, havia chovido em São Paulo o dia inteiro. E os pilotos estavam preocupados com aquaplanagem na pista de Congonhas. No dia anterior, um ATR-42-300 havia saído da pista depois de aquaplanar. A preocupação era tamanha que os pilotos pediram análises de pista antes do pouso. Outra preocupação estava com a possibilidade de alternar para Guarulhos, devido a todo transtorno que essa arremetida iria trazer. Então, o A320 alinhou para pouso em Congonhas. E não parou como deveria.

As manetes com reversor inoperante

O Airbus A320 era certificado para pousar em Congonhas com os reversores de apenas um lado funcionando. Para isso, existiam dois procedimentos. O primeiro, era colocar as manetes dos dois motores na posição Idle. Então, puxar para Reverse apenas a manete do motor que tinha os reversores ativos. Apesar desse procedimento ter sido abolido pela Airbus, ele ainda era seguido, uma vez que economizava valiosos metros na parada.

O novo procedimento dizia para puxar o Reverse nas manetes dos dois motores, inclusive o que estava com o reversor inoperante. O problema é que isso prolongava a frenagem do avião em 55 metros, já que os motores ganhavam potência rapidamente, antes de o reversor abrir. Mas assim, garantia que os dois motores entrariam no modo Idle, sem que um deles continuasse acelerando. De todo modo, é fácil entender por que os pilotos decidiram seguir o procedimento antigo. Ainda mais considerando o medo de o avião derrapar durante o pouso e o fato de o A320 estar lotado e com mais de 2 toneladas de combustível extra, já que em Porto Alegre, o Jet A1 era mais barato do que em São Paulo.

Então, durante o pouso, os pilotos imaginaram ter colocado as duas manetes na posição Idle. O problema é que a manete do motor 2, do lado direito, continuou na posição Climb, usada durante o voo. Dessa forma, o avião freou do lado esquerdo, e continuou acelerando do lado direito. E, como falamos, o avião interpreta a situação para colocar na configuração mais segura possível. O problema é que, nesse dia, o avião não interpretou que era um pouso.

Com a manete do motor direito na posição Climb, o A320 continuou acelerando o motor direito, agora para a velocidade indicada no piloto automático, que era de pouso. Além disso, não ativou nem os spoilers, que quebrariam a sustentação das asas e aumentaria o peso do avião, e nem os freios automáticos. Com o avião sem desacelerar e agora puxando para a esquerda, os pilotos devem ter pensado que estavam em aquaplanagem.

Cultura justa na aviação

Tudo isso aconteceu muito rápido. Entre o toque do avião na pista e o choque contra os prédios, não se passou mais do que 25 segundos. Vale lembrar que os pilotos estavam preocupados com o estado da pista, bem como com uma eventual arremetida. Além disso, demonstravam preocupação com o procedimento de parada do avião com apenas um reversor. Isso sem contar com o estresse causado pelo acidente no dia anterior, além do caos aéreo que se desenhava desde o acidente do voo 1907, no ano anterior.

Por isso que, ao contrário do que muita gente diz, não pode-se dizer que os pilotos tiveram culpa no acidente. Na aviação, procuramos sempre a cultura justa, na qual interessa saber o que provocou um acidente, não quem é o responsável. E, nesse caso, diversos fatores contribuíram para a tragédia, incluindo operacionais e de infraestrutura.

Por exemplo, a programação do A320. Quando o avião toca na pista, o computador emite o sinal sonoro “Retard, Retard”, para que as manetes sejam colocadas na posição Idle. O problema é que, no MBK, o alarme parou depois que apenas uma manete foi colocada em Idle. Isto é, o avião deixou de mandar os pilotos frearem no pouso, mesmo com um motor ainda acelerando. Quando o avião tocou no solo, os sensores sentiram o peso nas rodas. O avião estava com os spoilers armados, o freio automático ativo, um dos motores em Reverse e, ainda assim, o computador não interpretou que os pilotos queriam frear o avião.

Então o A320 é um avião perigoso?

Não, não é. Como sempre falamos, nenhuma vida na aviação se vai em vão. De acidentes, sempre tiramos lições para uma operação mais seguras. E os órgãos de investigação de acidentes aéreos sempre emitem novas diretrizes para companhias aéreas, fabricantes, autoridades e toda a comunidade aeronáutica, para os erros não se repetirem.

Após o acidente nas Filipinas e outros semelhantes com o A320, a Airbus passou a colocar o aviso “Retard” até as duas manetes estarem em Idle como item opcional. Após o acidente do voo 3054, passou a ser obrigatório nas aeronaves. Voar no A320 é seguro desde seu primeiro voo, em 1987. Mas as lições aprendidas nesse voo tornaram a operação ainda mais segura. Beira o zero a chance de outro avião varar a pista por posição errada das manetes. Como deve ser.

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