O texto “Turbulência, o terror dos passageiros. O avião pode cair?” foi publicado originalmente em 8 de setembro de 2013, por Lito Sousa. Texto editado por Lucas Conrado.
A turbulência é, de longe, o que muitos passageiros mais temem quando entram em um avião. Na verdade, o pânico começa semanas antes da data marcada para a viagem. Apesar de ser desconfortável e poder machucar passageiros e comissários de voo sem cinto de segurança, a turbulência é perigosa mesmo? Existe motivo para tanto pânico?
Não, não existe. E é sobre isso que vamos conversar aqui.
Começando do básico: o que é turbulência?
Assim como outros tipos de medo, o conhecimento é o melhor antídoto. Então vamos começar pelo início: o que é Turbulência?
Os cientistas a definem como “um estado em que um fluído exibe velocidades instantâneas irregulares e flutuações aparentemente aleatórias”. Bonito, né? Traduzindo para o português, é quando um fluido se move de forma desordenada, tipo a água de um rio batendo nas raízes e pedras na margem. No ar, esse movimento gera “lombadas” que assustam as pessoas.
Essas lombadas podem variar de uma balançadinha que derruba a sua Coca-Cola do copo a solavancos que jogam no teto quem não está usando cinto de segurança. Esse é o principal motivo para o passageiro precisar estar SEMPRE de cinto afivelado!
A reação de um avião à turbulência varia com as diferenças de velocidade do vento em áreas adjacentes, com o tamanho da aeronave, com a velocidade e com altitude, de acordo com este documento sobre meteorologia da aviação do FAA. Quando um avião trafega rapidamente de uma corrente de ar para outra, mudanças abruptas de aceleração ocorrem, e o desconforto também.
Para entender melhor, pensa num barco.
Conforme o barco vai navegando ele provoca ondulações, ondas e redemoinhos na água certo? As correntes de ar se comportam da mesma maneira que água, só que a viscosidade do fluído é diferente, portanto os efeitos também são. Os pilotos treinam para reduzir a velocidade ao encontrar turbulência, da mesma maneira que um barco reduz a velocidade para passar em uma marola de navio. Tudo que um piloto não quer fazer é lutar contra a turbulência, se ela causar a subida do avião, não adianta tentar fazê-lo descer acionando os controles, você apenas navega pelas ondas e espera a “marola” passar.
Mas a comparação com barcos para por aí! Barcos ocasionalmente são jogados de um lado para outro, inundados, virados e até batem em recifes. Aviões, por outro lado, não podem ser virados de cabeça para baixo, entrar em parafuso ou despencarem do céu ainda que atingidos pela mais poderosa rajada de ar que se tenha notícia.
A preocupação dos pilotos na turbulência…
Você até vai achar engraçado, mas enquanto a maioria dos passageiros se desespera lá atrás, se agarrando nos braços das poltronas, rezando, achando a cada “afundamento” que o avião vai despencar, no cockpit a história rola mais ou menos assim na hora que as pancadas começam:
Piloto: “Humm, vou reduzir um pouco a velocidade” [gira o botão do piloto automático que reduz a velocidade Mach para a velocidade de penetração em turbulência]
Co-piloto: “Putz, esses balanços estão derrubando meu suco de laranja dentro porta-copos.”
Piloto: “ Vamos ver o que os caras que estão lá na frente têm pra falar sobre a rota a frente.” [pega o microfone e chama na frequência livre]
Co-Piloto: “Você tem algum guardanapo aí?”
Sentiram o pânico né? Abaixo foto do botãozinho que vão mexer.
E quais são as causas de turbulência?
São conhecidas várias causas de turbulência, provocadas por diferentes fatores. As principais são:
Mecânica
A mecânica é comum próxima ao solo, quando o ar passando pelos prédios criam redemoinhos (qualquer um pousando em Congonhas sabe o que estou falando). Esse redemoinhos causam umas pancadas e sensação de estar em uma “estrada de terra”.
Convectiva
As turbulências convectivas costumam acontecer em dias ensolarados e bonitos, quando bolhas de ar quente que começam a subir (lembram da escola né? ar quente sobe, ar frio desce). Pilotos de planadores e parapentes amam as térmicas, porque os fazem subir, porém causam turbulências graves em altas altitudes. As térmicas matutinas também podem se transformar em tempestades durante a tarde. Todos os pilotos aprendem desde cedo a evitar tempestades por causa da extrema turbulência que elas contêm. Além disso, as tempestades criam turbulência no céu claro ao redor delas (veja CAT abaixo).
Orográfica
As montanhas criam alguns dos mais perigosos tipos de turbulência, as orográficas. Elas afetam voos em cruzeiro acima de 30 mil pés (10 mil metros). Os ventos soprando sobre as montanhas criam ondas ascendentes que então despencam do outro lado. Este movimento de sobe e desce do ar pode continuar por mais de 200 quilômetros de distância dos morros e atingir altitudes impressionantes.
Corrente de jato (Jet Stream)
Um outro tipo de turbulência é causada pelo próprio Jet Stream. As correntes de ar próximas as bordas do Jet Stream geralmente possuem zonas de turbulência severa, bem similar ao redemoinhos formados às margens de um rio que corre em alta velocidade. Este tipo de turbulência é chamada de “windshear”, um termo que gera um pouco de confusão porque a mídia o utiliza o termo para se referir a um tipo específico de windshear causado por microbursts (quando o avião já está se aproximando do pouso). A turbulência de winshear ocorre em todas as altitudes, mas nas camadas mais altas da atmosfera a velocidade do vento nas bordas pode variar de 80 a 241 km/h em distâncias de apenas 2 quilômetros. Imagine a pancada.
Esteira de vento (Wake Turbulence)
Esta eu deixei para o final porque é uma besta diferente. A turbulência do tipo Wake não é causada pela natureza, mas sim pela passagem das asas gerando sustentação no fluído conhecido como ar. Esta é a mais perigosa de todas, e é a única razão para que as torres de controle façam separação entre decolagens e pousos. Wake tem um post dedicado, leia aqui.
De onde vem o medo?
A cada ano, pilotos reportam só nos Estados Unidos aproximadamente 65.000 casos de turbulência moderada ou grave e 5.500 casos de turbulência severa, e até hoje nenhum avião caiu por causa dela, então de onde vem o pânico?
Como a gente comentou nesse texto, a imprensa sofre de um problema grave de perda de audiência. Com menos gente lendo notícias, os portais ganham menos dinheiro com publicidade. Então, os portais recorrem ao velho click bait.
Como dizem os jornalistas, “um cachorro morder um homem não é notícia. Notícia é o homem mordendo o cachorro”. É por isso que portais usam e abusam de notícias chamativas, falando de momentos de pânico, terror a bordo e tudo mais.
Isso é feio, mas vende jornais e cliques, ao custo do sofrimento de outras pessoas.
Puxa, mas se tem tanta informação, por que não se evitam as turbulências?
Ah, esta é fácil de responder: porque o ar é invisível! É simples assim, nós não podemos enxergar turbulência, nem os radares podem. Não há tecnologia disponível hoje para se fazer previsão de turbulência, salvo o sistema de “Predictive Windshear (microbursts) que só está disponível próximo ao solo.
O melhor sistema de predição de turbulência ainda é o boca-a-boca, por isso a comunicação constante entre os pilotos. Mas há instrumentos que dão dicas importantes de áreas que podem ser perigosas ao voo, e o Radar é o equipamento principal. Os radares meteorológicos dos aviões capturam gotículas de água ou gelo presentes nas nuvens e fornecem um panorama colorido que o piloto deve evitar e desviar para manter o voo seguro. Entre os retornos de radar (a noite), ou durante o dia, o principal vilão a evitar é este cidadão apelidado de CB – as nuvens Cumulonimbus.
As CBs são fontes de turbulência severa, causando as CAT (Clear Air Turbulence) por até 40 quilômetros de distância horizontal e até 18,5 quilômetro de altitude. É isso aí, você pode passar a 40 km de um monstro desses e ser chacoalhado como se estivesse dentro dele.
Eu disse lá em cima que nenhuma turbulência é capaz de danificar um avião. No entanto, há a exceção da Cumulonimbus. Esta formação é carregada de gelo, e se uma aeronave penetrar o coração de uma CB sairá do outro lado com sequelas. Mas nada para para se preocupar de verdade. Como a gente comentou aqui nesse texto, projetistas desenham os aviões para aguentar o granizo. E o radome (isso é, o bico do avião) só fica tão marcado porque é feito de fibra de vidro e carbono.
Resumo da ópera: Não precisa ter pânico de turbulência
Nos Estados Unidos, anualmente 60 pessoas são feridas durante encontros com turbulência severa, sendo que 2/3 são comissários de bordo. Isto se resume a 20 passageiros em mais de 800 milhões transportados ao ano, parece um número bom não?
Não, turbulência não derruba avião! (falando pela milésima vez). A estrutura é projetada com um fator de segurança de 1.5, ou seja, pegue a maior força que um avião sofrerá em voo e acrescente 50% de margem de sobra. E olhe que a maior força teria que ser um furacão categoria 5. Aí, você com medo diz: ah, mas os viadutos são projetados com um fator de segurança de 4 ou 5! Sim amigo, mas viadutos não voam, nem qualquer avião projetado com um fator maior que 2.
Sim, turbulência é desconfortável para os passageiros e também para os tripulantes, mas seguindo as recomendações de segurança, raramente alguém sai ferido. O medo é irracional, sabemos, e não há estatística ou falta de acidentes que retirem o medo. Se você realmente sofre com as primeiras chacoalhadas, procure então reservar seu assento próximo das asas. O centro de gravidade do avião fica na região das asas, então sentar ali seria como sentar no meio de uma gangorra no parque: você vai ficar parado enquanto seus amigos sobem e descem (não funciona bem assim no avião, mas reduz um pouquinho a sensação).
Experiência pessoal: turbulência é bom para dormir, aproveitem o balanço, fechem os olhos e durmam, ignorando os gritos de quem não lê o AeM 🙂
E para desmistificar de vez que turbulência danifica aviões, vejam o vídeo onde comento sobre o Lockheed P3 (Electra militar) da NOAA entrando na parede de um furacão (coisa que nenhum avião comercial faz em sã consciência). Assistam em tela cheia e deixem o like!